O professor de educação para a ciência Eder Pires de Camargo, que dá aulas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), reuniu em um e-book ferramentas úteis para professores ensinarem física a alunos que não enxergam. Lançado neste ano pela Editora Unesp, o livro avalia os obstáculos para incluir os estudantes cegos no aprendizado de conhecimentos como óptica, eletromagnetismo, mecânica, termodinâmica e física moderna, e sugere formas de viabilizar a participação e o entendimento desses alunos. O livro pode ser acessado gratuitamente pela internet.
Em entrevista ao G1, Camargo explicou que este é o terceiro livro produzido por ele a respeito da educação inclusiva de conteúdos de física. Seu quarto livro, no qual ele pretende propor modelos teóricos para melhorar a formação dos professores nesta área, já está nos planos.
O professor da Unesp Eder Pires de Camargo (Foto: Arquivo pessoal) |
"Pensei em estudar formas de ensinar física para um aluno com a mesma deficiência que a minha, para facilitar o acesso desse aluno a um tipo de conteúdo amplamente relacionado à visão, não que em sua natureza seja, mas por uma cultura de videntes esta área do conhecimento acabou sendo tornada dependente da visão", afirmou Camargo. Hoje, aos 40 anos, ele tem pós-doutorado e dá aulas na graduação e pós-graduação da Unesp em Bauru e em Ilha Solteira.
O livro é resultado da pesquisa de pós-doutorado do professor, realizada a partir de 2005 sob a supervisão do professor Roberto Nardi, da Unesp de Bauru. Ele tenta driblar costumes que estão enraizados na dinâmica de uma sala de aula, onde o professor usa ao mesmo tempo sua fala e a informação visual para se comunicar com os alunos. "Se utiliza muito um tipo de linguagem que envolve o áudio e a visualização simultânea da informação. Por exemplo: 'note as características desse gráfico' (professor indica o gráfico na lousa), 'isto mais isto dá isto' (indica a equação)", explicou ele.
Segundo ele, não há soluções definitivas para ensinar todos os conteúdos de física para quem não vê, mas é preciso dar mais atenção a outros canais de comunicação. "De um lado, não podemos comunicar coisas estritamente visuais a um cego total de nascimento. Contudo, de outro, nos faz pensar que as outras experiências (táteis, auditivas etc) são fundamentais para a construção de realidade, pois, pelo contrário, como estaria o cego no mundo? Ele é um individuo que está ai, pensa, vive e muito bem sem a visão."
Metodologia
Para entender como superar esse obstáculo, ele passou um ano coletando dados com a ajuda de estudantes de licenciatura em física e 35 alunos videntes e dois cegos. "Na primeira parte, desafiamos futuros professores de física da Unesp de Bauru a planejarem materiais e atividades de ensino de física adequadas para a participação de alunos com e sem deficiência visual. Na segunda parte da pesquisa, esses futuros professores aplicaram módulos de ensino de física sobre cinco temas. O curso todo levou 80 horas."
As aulas foram gravadas em vídeo e, depois do curso, todos os participantes da pesquisa foram entrevistados. "A análise desses materiais foi realizada durante os outros anos da pesquisa, 2006 a 2009", explicou Camargo.
Segundo ele, uma das formas pelas quais é possível driblar os hábitos de comunicação excludente na sala de aula é ensinando por meio de maquetes táteis. Ao transferir o conteúdo dos gráficos e esquemas da lousa para um modelo 3D, não só é possível incluir os alunos cegos, mas a ferramenta também pode facilitar o processo de aprendizado dos colegas videntes, além de incentivar a interação entres os alunos.
A coleta de dados da pesquisa do professor da Unesp foi feita durante um ano e contou com a participação de estudantes de licenciatura e alunos videntes e cegos (Foto: Arquivo pessoal/Paulo Maciel) |
Outros materiais que podem ser usados são barbante, arame, massa de modelar, isopor e pregos, entre outros. "Não sei por que, depois de um tempo, na escola tudo se torna enlatado em livros e lousa e giz, de tal forma que toda aquela criatividade do ensino infantil é esquecida. Não estou dizendo contra livros e lousa, e sim criticando seus usos exclusivos", afirmou Camargo.
Além disso, outra diferença nos hábitos do professor, na hora de pensar em como dar uma aula acessível para quem não consegue enxergar, é a necessidade de planejamento com maior antecedência. Isso permite a construção dos modelos adequados para o ensino do conteúdo específico da aula. Por isso, ele defende que, além do incentivo à formação qualificada do professor, é preciso que o governo dê, no caso das escolas públicas, a infraestrutura necessária para que o trabalho seja feito.
Na opinião do professor, essas condições ainda não são satisfatórias. Mas Camargo defende que de nada adianta constatar o estado das coisas hoje, principalmente considerando o sistema atual de ensino. "Eu diria que torna-se muito complexo e contraditório falar em inclusão no atual modelo de escola e sociedade, cujo ensinamento central é a competitividade e o acúmulo, valores divergentes aos apregoados pela inclusão.
Por isto, é preciso falar em inclusão em seu sentido prospectivo, porque a inclusão não está pronta, constituindo uma meta a ser atingida, uma meta de uma nova sociedade e de um novo modelo social."
Fonte: Portal G1
0 Comentários
Deixe seu comentário, lembrando que este deverá ser aprovado para ser publicado no site.
Não serão aceitos comentários com spam, propagandas, palavrões e etc.