Ruy Castro, na Feira do Livro de Frankfurt (Foto: Raquel Freitas/G1) |
O grupo "Procure Saber" defende a proibição de biografias não autorizadas pelos biografados ou por suas famílias, em caso de morte. Estes artistas se baseiam nos artigos 20 e 21 do Código Civil Brasileiro, de 2002. O artigo 20 determina que o uso da imagem de uma pessoa pode ser proibido ou gerar a "indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais". Já o artigo 21, dispõe que "a vida privada da pessoa natural é inviolável". O grupo é coordenado por Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, assinado por vários artistas, como o próprio Caetano, Roberto Carlos, Djavan, Gilberto Gil, Chico Buarque e outros.
Apesar desta base legal, vários autores presentes na Feira do Livro de Frankfurt criticaram duramente o posicionamento do grupo. "O Brasil fica impedido de contar a própria história porque Roberto Carlos não quer que falem da perna mecânica dele", disse o biógrafo Ruy Castro, em sua palestra nesta sexta-feira (11). O autor assina obras como a que conta a história do jogador Garrincha.
"Meia dúzia de compositores, cantores estão querendo impedir o trabalho de biógrafos, pesquisadores, historiadores, documentaristas, ensaístas, ou seja, toda intelectualidade brasileira está na dependência de meia dúzia de cantores permitirem que nós trabalhemos com liberdade. (...) Não é possível que a história do Brasil fique na mão de meia dúzia de cantores que não querem ver sua vida contada", declarou o escritor ao G1.
De acordo com Ruy Castro, a questão sobre biografias autorizadas precisa ser melhor entendida no país. Segundo o autor, para que uma biografia seja autorizada não basta que haja somente um acordo entre biógrafo e biografado. Ele argumenta que antes de o livro ir para gráfica, o texto seria submetido ao personagem em questão ou os advogados dele para que os trechos que não são de agrado sejam suprimidos. "Se isso não se chama censura prévia, eu não sei mais português", pontua.
Escritora Alice Ruiz na Feira do Livro de Frankfurt (Foto: Raquel Freitas/G1) |
Ruy Castro conta que, próximo ao lançamento do livro, a família tentou propor um acordo de US$ 1 milhão, o que foi rejeitado pela editora. A obra chegou a estampar prateleiras de livrarias durante um mês, mas foi retirado de circulação por um ano devido a uma decisão da Justiça.
Biografia chapa-branca
Na Feira do Livro de Frankfurt, esta polêmica permeia o evento desde a terça-feira (9), quando o escritor Laurentino Gomes, autor da série "1889", "1822" e "1808", afirmou que o "Brasil está ameaçado de se tornar o paraíso oficial das biografias chapas-brancas por uma esquizofrenia legal".
Ele argumenta que a Constituição proíbe expressamente a censura de obras artísticas de produções culturais, mas o Código Civil Brasileiro assegura que uma obra poderá ser proibida ou retirada de circulação, caso ela ameace a imagem, a boa fama, a respeitabilidade de uma pessoa. "Essa contradição entre o texto constitucional e o Código Civil deu margem que os juízes deem ganho de causa para os biografados, para suas famílias, os seus representantes legais, e suspenda a circulação dessas obras", disse ao G1. Para ele, entre os casos mais emblemáticos, além da biografia sobre Garrincha, está o livro acerca de Roberto Carlos, do escritor Paulo César Araújo.
Paula Lavigne nega censura
Em seu Twitter, a produtora Paula Lavigne postou um texto que diz que "a Associação Procure Saber, entidade representativa de artistas que buscam estudar, entender e esclarecer assuntos de interesse da classe artística e da população em geral, não defende a censura ou a diminuição da liberdade de informação e pensamento", afirma o texto.
"O que a Procure Saber deseja é apresentar uma alternativa que atenda aos escritores mas não crie uma situação de exploração da obra e da vida alheia sem a remuneração correspondente e sem que a vida privada e a intimidade do biografado sejam violados", resume.
Biografia coletiva de Caetano
Na quarta-feira (9), uma página no Facebook foi criada em resposta à presença do cantor no grupo Procure Saber. Nela, um post diz "parece que Caetano não gosta de biografias. Mas nós gostamos. Então vamos escrever coletivamente a primeira biografia não autorizada deste ícone da MPB. Poste sua história aqui, mande pra gente vídeos, imagens, frases e tudo mais o que você souber sobre ele - ou não".
Até a tarde desta sexta-feira, a página tinha 3,7 mil curtidas, e já algumas colaborações com vídeos e fotos do artista.
No Facebook, Paula Lavigne elogiou a iniciativa, e disse "Isso sim é democrático, biografias na internet de graça já!".
Projeto de lei
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJC) aprovou nesta em abril projeto de lei que libera a divulgação de biografias não autorizadas. O texto, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), foi aprovado em caráter conclusivo (quando não precisa ir ao plenário da Casa) e iria diretamente para votação no Senado. Entretanto, um recurso do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), que colheu assinaturas de 53 parlamentares, emperra a tramitação do texto e faz com que ela precise ser analisada pelo plenário.
Também presente na Feira do Livro de Frankfurt, o deputado federal Marcelo Almeida (PMDB-PR), que faz parte da Comissão de Cultura e da CCJC afirma que antes do acirramento desta polêmica o assunto estava muito restrito, mas acredita que a partir dos debates ocorridos na feira haja mais agilidade no andamento do projeto de lei. A favor do discurso de Castro e Gomes, ele afirma que "o mundo do bem vai ganhar".
Para conseguir a aprovação do projeto de lei, Ruy Castro diz estar mobilizado em uma "campanha junto às força democráticas do país". O jornalista afirmou ainda que, na Alemanha, teve oportunidade de conversar com a ministra da Cultura, Marta Suplicy. "[Ela] me pareceu muito simpática ao nosso pleito".
Opinião de quem sentiu na pele
"Eu não estou com vontade de falar sobre biografias", disse Alice Ruiz ao ser abordada pelo G1 na Feira do Livro de Frankfurt. Em seguida, após uma breve pausa, a escritora voltou atrás: "tudo bem, falo". Além de ser uma figura do mundo das letras, a poeta, que foi casada com Paulo Leminski, esteve de frente com os incômodos que uma biografia podem gerar à família de um biografado.
"Meu posicionamento não é claro e eu vou explicar por quê. Por um lado, eu sou radicalmente contra a censura. Por outro lado, eu acho que nós precisávamos viver num país onde os interesses literários estivessem acima dos interesses mercantis", justifica. Ela acredita que, no país, muitos autores destacam aspectos da vida dos biografados, colocando ênfase o que comercialmente chama mais atenção. "Então, se o Brasil não fosse assim, eu diria liberem tudo, mas o Brasil é assim. Quer dizer não é que o Brasil é assim, existem elementos assim", avalia.
Após a morte do Leminski, Alice Ruiz conta que passou 12 anos concedendo entrevistas a jornalistas e pesquisadores, exercendo um papel de "porta voz do defunto", como brinca. Cansada da situação, ela encomendou uma biografia. "Eu pedi para o Toninho Vaz fazer essa biografia, mas é porque eu o via como amigo, principalmente como amigo do Paulo. Mas, em algum momento, ele preferiu ir nesta direção que eu citei antes do que fazer valer o amigo. (...) Eu imaginei que ele não tinha tanta disputa de ego com o Paulo. Esse é um outro problema dos biógrafos", afirma. E o resultado, em parte, parece não ter agradado à escritora.
Fonte: Portal G1
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