'Vício' é um termo simples para explicar complexos comportamentos ligados à obesidade (Foto: BBC) |
O "vício de comer" já foi comparado ao vício em drogas e, a partir daí, o termo passou a ser usado não só para descrever o comportamento de quem come em excesso, mas também para explicar a epidemia de obesidade que atinge milhões de habitantes em todo o mundo.
O termo é, na verdade, um passo à frente para a medicalização do problema, implicando que um comportamento social normal do ser humano seja visto como uma patologia, como se uma maneira de comer fosse doença.
A atitude não ajuda em nada e tem enormes impactos na forma como as pessoas veem seu próprio comportamento e suas vidas.
O conceito de "vício de comer" deriva de uma combinação de dados experimentais, relatos de experiências pessoais, opiniões, argumentos científicos, deduções e crenças. O termo é, portanto, um grande reducionismo para explicar uma série complexa de padrões comportamentais.
Evidências frágeis
As evidências existentes não levam em conta características dos alimentos em questão ou do ambiente alimentar que pode favorecer o suposto risco de tornar-se "viciado". Em contraste, o vício em drogas é associado a uma molécula específica, e seu efeito farmacológico no cérebro é conhecido.
Estudos feitos em animais mostram alterações em regiões específicas do cérebro de indivíduos alimentados com uma dieta rica em açúcar. Em humanos, tomografias computadorizadas mostram uma ativação dos sistemas de recompensa na mesma parte do cérebro quando alimentos doces são consumidos.
Por isso, não há surpresas na ligação entre o consumo de doces e a ativação de centros de recompensa, já que sabemos que os circuitos de recompensa no cérebro foram estabelecidos através da evolução como sistemas de sinalização para controlar nosso apetite.
Muitos estímulos influenciam essas áreas do cérebro e, além disso, há uma vontade intrínseca de consumir alimentos ricos em carboidratos para satisfazer uma necessidade metabólica básica do cérebro.
O gosto de coisa "doce" é um forte sinal associado a esse tipo de comida, mas a ciência ainda não investigou isso em profundidade, e mais estudos são necessários antes que se possa dizer que a comida é realmente algo viciante.
Desculpa
Considerar o "vício de comer" como a única causa por trás do desenvolvimento da obesidade, apesar da existência de muitas outras explicações plausíveis, não é algo benéfico, particularmente para aqueles que estão tentando ter uma vida mais saudável.
Blundell diz que se preocupa com possibilidade de que muitas pessoas venham a se valer do conceito de "vício de comer" como desculpa para explicar por que comem demais – o que leva à premissa de que "não é culpa minha", e por isso "não consigo evitar".
Isso elimina a responsabilidade pessoal que elas deveriam sentir e sobre a qual poderiam tomar providências – o que acaba fazendo com que os indivíduos concluam que seu comportamento é uma forma de doença.
Assim, o "vício de comer" pode oferecer uma explicação bastante convincente para alguns, mas também ameaçar seriamente a capacidade de autocontrole.
Compulsão
É fato que existem distúrbios alimentares, como a compulsão por comer em excesso em curtos períodos de tempo, de forma regular – mas trata-se de uma doença rara que atinge menos de 3% dos obesos.
Quem sofre do problema geralmente percebe também a perda do controle sobre o ato de comer. Os comportamentos associados ao "vício de comer" podem ser uma forma bastante severa e compulsiva desses distúrbios. Mas isso não explica o enorme aumento da obesidade que temos notado.
A compulsão por comer não é uma questão-chave para a obesidade e, portanto, no contexto de saúde pública, não é uma grande preocupação. O que precisamos é de uma análise prudente e complexa sobre o que as palavras "vício de comer" realmente significam. Dessa forma, as pessoas poderão fazer deduções bem informadas sobre as causas de seu próprio comportamento.
Fonte: Portal G1
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