Na última semana, os jornais britânicos revelaram o salário das
estrelas da BBC - o que gerou polêmica no país pelos altos valores pagos
a alguns e também pela diferença ainda notória nos pagamentos entre
apresentadores e apresentadoras.
Na Noruega, por sua vez, esses "segredos" simplesmente não existem.
Desde 1814, qualquer pessoa pode descobrir quanto a outra ganha - e isso
raramente causa algum problema.
No passado, o salário dos noruegueses era publicado em um livro - uma
lista do que todo mundo ganhava, o que cada um tinha e quanto de
impostos pagava poderia ser encontrada em uma prateleira da biblioteca
pública. Hoje, a informação está online, a apenas alguns cliques de
distância.
A mudança aconteceu em 2001, e teve um impacto instantâneo. "Isso se
tornou puro entretenimento para muita gente", disse Tom Staavi, que foi
editor de economia no VG, um jornal local.
"Em algum momento você automaticamente ficaria sabendo quanto seus
amigos do Facebook ganhavam - simplesmente fazendo login no próprio
Facebook. Foi ficando ridículo."
A transparência é importante, segundo Staavi, em parte porque
noruegueses pagam impostos de renda bastante altos - uma média de 40,2%
do que ganham no ano, comparado com a média dos 27,5% do Brasil. A média
europeia é 30,1%.
"Quando você paga tudo isso de imposto, você precisa saber que o resto
do país está fazendo o mesmo e você tem de saber que o dinheiro está
sendo bem utilizado", disse.
"Nós precisamos ter confiança nos dois, tanto no sistema de impostos quanto no sistema de seguridade social", afirmou.
Pouca diferença salarial
As vantagens da medida são consideradas muito superiores a qualquer problema que possa ser causado pela inveja.
Mas a verdade é que na maioria dos locais de trabalho noruegueses as
pessoas têm uma boa ideia de quanto seus colegas estão ganhando, sem ter
que ficar procurando por isso.
Salários em muitos setores são estipulados por meio de acordos coletivos, e as diferenças são relativamente baixas.
A disparidade por gênero também é pequena em comparação com padrões
internacionais. O Fórum Econômico Mundial coloca a Noruega em terceiro
lugar no ranking de 144 países em termos de igualdade salarial entre
homens e mulheres pelo desempenho da mesma função.
Logo os números que aparecem no Facebook podem não ter pego muita gente
de surpresa. Mas em determinado momento, Tom Staavi e outros negociaram
com o governo para criar medidas que motivariam as pessoas a pensar
duas vezes antes de bisbilhotar os detalhes salariais de um amigo ou
colega.
Agora é preciso logar com seu número de identidade nacional para
acessar o arquivo no site dos impostos do governo, e pelos últimos três
anos tem sido impossível fazer essa busca de maneira anônima.
"Desde 2014, tem dado para saber quem está fazendo essas buscas sobre
suas informações", explicou Hans Christian Holte, chefe das autoridades
fiscais da Noruega.
"Nós vimos uma queda significativa, agora temos cerca de um décimo da
quantidade de buscas que tínhamos antes. Acho que isso tem diminuído
essa mentalidade bisbilhoteira das pessoas."
Adeus bisbilhotagem
Há cerca de três milhões de pessoas pagando impostos na Noruega - a
população do país é de 5,2 milhões. As autoridades fiscais
contabilizaram 16,5 milhões de buscas no ano anterior ao da adoção das
restrições.
Hoje, existem apenas dois milhões de buscas por ano.
Em uma pesquisa recente, 92% das pessoas disseram que não procuravam informações sobre amigos, familiares ou conhecidos.
"Antes eu fazia essas buscas, mas agora fica visível se você fizer
isso, então não faço mais", Nelly Bjorge, disse uma mulher que conheci
nas ruas de Oslo.
"Eu ficava curiosa sobre alguns vizinhos, sobre algumas celebridades…
seria legal saber se pessoas muito ricas estavam burlando o sistema, mas
você não consegue saber sempre. Porque há muitas formas de conseguir
reduzir sua renda (nos dados do governo)."
As listas de impostos apenas indicam o rendimento líquido das pessoas,
os ativos líquidos e os impostos pagos. Alguém com uma grande quantidade
de propriedades, por exemplo, provavelmente valeria muito mais do que o
número encontrado nessas listas, porque o valor da propriedade
tributável geralmente é muito inferior ao valor de mercado que ela tem
atualmente.
Bullying
Hege Glad, uma professora de Fredrikstad, no sul de Oslo, lembra que,
quando era mais nova, adultos costumavam filtrar para examinar os
"enormes e grossos" livros de renda e dados tributários, publicados uma
vez por ano.
"Sei que meu pai era um desses que ficava procurando. Quando voltava
para casa, estava sempre de mau humor porque nossos vizinhos bem de vida
estavam listados lá com pouca renda, sem nenhum ativo, e a maioria
deles tinha muito pouco imposto para pagar", contou.
Embora seja a favor da transparência nessa área, Glad admite que isso
pode ter seus efeitos negativos. Foi o que ela pode constatar na escola.
"Lembro que uma vez eu estava entrando na escola e um grupo de garotos
estava pronto para me dizer os rios de dinheiro que o pai de um dos
meninos da sala ganhava", disse.
"Depois percebi que alguns dos garotos que geralmente andavam com esse
grupo haviam saído de perto calados. O clima entre eles não era dos
melhores."
Também havia histórias de crianças de famílias de classe mais baixa que
acabaram sofrendo bullying na escola por colegas que bisbilhotavam a
situação financeira de seus pais.
Mais segurança
Hans Christian Holte acredita que o governo hoje chegou ao equilíbrio. O
fato de pesquisas anônimas não serem mais permitidas também inibe
criminosos de pesquisarem pessoas ricas para colocar no alvo.
Mas as restrições não impediram que as pessoas continuassem denunciando quando vissem situações suspeitas.
"Nós gostamos quando as pessoas fazem buscas que nos ajudam a
investigar a evasão fiscal, e a quantidade de denúncias que continuamos
recebendo não caiu", disse ele.
"Talvez o prazer dos bisbilhoteiros tenha de uma certa forma acabado,
mas você ainda tem motivos legítimos para fazer buscas no sistema.
Conseguimos sentir os bons efeitos dessa transparência."
Fonte: Portal G1
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